Citroën Traction Avant Legere

Citroën Traction Avant Legere

Desde os quinze anos de idade, quando meu pai possuia um Traction Avant 1947 Légère, que naturalmente “o vírus” da paixão Citroën me foi concebido. Por força da aproximação com o carrinho e a exigência do velho em ter que ajudar–lo na sua mecânica, absorvi de corpo e alma aquela paixão, que veio se fortalecendo através dos anos e principalmente depois de ter vivido uma grande aventura alcançada com esse formidável carro, a qual passo a descreve-la:

Residiámos no Rio de Janeiro, de onde sou natural e ali através do Cais do Porto juntamente com Santos-SP desembarcavam os veículos importados dos países fabricantes de automóveis. Os automóveis Citroën na sua grane maioria 11 BL Légére, de cor preta tinham caído na simpatia do povo brasileiro, principalmente o carioca onde no Rio de Janeiro já circulava grande número deles. Meu pai, homem experiente e que já havia possuído vários automóveis principalmente americanos , era um fervoroso defensor do Traction Avant e até mesmo esnobava com seus colegas de repartição, toda vez que aparecia com seu reluzente Citroën 1947 impecavelmente conservado. Como bom entendedor de sua mecânica, dava-se ao luxo de descrever aos admiradores as qualidades técnicas da tração à frente , que na época era uma grande novidade. Como Rio e Santos tinham a primazia de receber os automóveis importados através de seus respectivos portos, para os outros estados eles seguiam eventualmente por estradas de rodagem.

Parentes residentes em Recife – PE haviam manifestado interesse em possuir um Citroën, assim meu pai planejou realizar uma viagem ao nordeste a fim de levar o carrinho prometido. Sem outra alternativa para transportar o carro para Recife, foi que em Janeiro de 1957 pegamos a velha conhecida RIO – BAHIA, estrada na época totalmente de terra nos seus 2400 km aproximadamente. Éramos quatro pessoas já que meu pai resolveu levar minha mãe e minha irmã mais velha. Imagine dentro de um 11 Légère quatro adultos mais bagagem para uma viagem dessa dimensão. Partimos com toda fé e confiança no 11 ligeiro, que se portou mecanicamente impecável . Os trechos de estradas alcançadas inicialmente eram razoáveis dentro dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. À medida que íamos entrando nos estados do nordeste, as dificuldades eram grandes para se trafegar, tendo em vista que havia chovido muito naquela região e deixava as estradas praticamente intransitáveis. Em determinados trechos a rodovia encontrava-se alagada, o que impedia até mesmo a passagem de caminhões e ônibus que deixavam a pista enlameada com sulcos profundos produzidos por suas rodas e pneus, o que impedia definitivamente os carros pequenos de trafegarem porque encostavam o chassi e carroceria no chão. A solução encontrada naquelas ocasiões era rebocar com cabo de aço normalmente puxado por trator. A repetição desse cenário aconteceu em vários momentos de nossa viagem, além de deslizamento de barreiras onde a estrada só permitia a passagem de um carro por vez, através de atalhos e variantes improvisadas, muito das vezes envolvendo rios e alagadiços, onde o valente Citroën conseguia se sobressair. Cito um episódio pitoresco em que era neessário subir uma rampa improvisada de cascalho. Outros carros de tração traseira tinham dificuldades e mesmo muitos não conseguiram, uma vez que não obtinham uma boa aderência no terreno, o que não aconteceu com o Traction Avant, que arrancou aplausos ao subir subir sem precisar de reboque. Ao longo de toda nossa jornada os desafios se sucediam, pois as chuvas constantes deixavam a rodovia um verdadeiro sabão, escorregadia, perigosa, principalmente em trechos de serras, subidas e descidas com curvas acentuadas, sem a mínima proteção nas encostas e precipícios, como se estivéssemos patinando no gelo. Por outro lado, se o tempo encontrava-se bom, firme, o sol era causticante , tornando o solo poeirento aumentando o calor e a sede ás vezes em trechos há centenas de quilômetros de um povoado e de qualquer apoio. Os pontos de reabastecimento de combustível eram poucos ao longo da estrada, assim como locais para pernoites e refeições sofríveis, exigindo portanto um bom planejamento a fim de possibilitar o alcance desses locais nos momentos e horas certas. 

Durante os onze dias de nossa viagem, o único incoveniente que tivemos com o nosso Citroën, aconteceu em três ocasiões distintas, quando quebramos o cano de descarga ao se chocar com pedras na estrada em consequência da sua pouca altura do solo. O carro se portou de maneira fantástica, mecanicamente perfeita, sendo admirado constantemente por onde passava e evidentemente por ter vencido todos os possíveis obstáculos naturais da rodovia, numa façanha incrível que certamente levaria André Citroën a ficar maravilhado depois desse verdadeiro rally de resistência e competência.